"Fui à floresta viver de livre vontade, para sugar o tutano da vida. Aniquilar tudo o que não era vida. Para, quando morrer, não descobrir que não vivi". (Henry David Thoreau)
"Fui à floresta viver de livre vontade, para sugar o tutano da vida. Aniquilar tudo o que não era vida. Para, quando morrer, não descobrir que não vivi". (Henry David Thoreau)
Um hospital de Cascais aprovou um regulamento da unidade que proíbe tatuagens, perfumes, botas, sais curtas, piercings, jóias, e obriga camisa abotoada ao nível do peito bem como rabo de cavalo para quem tiver cabelo abaixo dos ombros. Estes gestores enganaram-se na profissão, deviam ser polícias da moda, herdeiros do Estado Novo, obrigando os portugueses a usar o branco e o preto. Não sabem que o vestir é uma forma de expressão do individuo, da imagem, de identidade pessoal, de divulgação do pensamento, protegida pela Constituição portuguesa. Para haver serviço público de qualidade não é necessário censuras mas sim bom senso e competência entre todos os intervenientes.
Por momentos pensei que o presidente turco, Erdogan, tivesse sido convidado para o programa de comédia português "Levanta-te e Ri", tal foi a gargalhada que dei quando o ouvi acusar Israel de ser um "Estado de ocupação e terrorista". Alguém diga ao governante que o único Estado membro da União Europeia ocupado é o norte do Chipre, invadido precisamente pelas tropas turcas. O humor negro também é de qualidade: quando a sua aviação lança bombas sobre os curdos aquilo não se pode considerar terrorismo, são apenas uns presentes natalícios! Também faz comédia dramática pois manda prender polícias, militares, jornalistas, procuradores, juízes e funcionários públicos acusados de tentar criar um golpe de estado em 2016, e por fim, comédia muda, controlando a Internet e as redes sociais.
Quando passam 50 anos sobre o aniversário do assassinato de Humberto Delgado e existe a proposta para atribuir o seu nome ao Aeroporto da Portela, era interessante reescrever a história, saber o que aconteceria se as eleições presidenciais de 1958 não fossem forjadas. O General não só afrontou o regime que admirou no passado mas amedrontou-o, pois a partir dessa data o presidente seria anunciado por decreto, jamais pelo voto. Ainda foi a tempo de reparar esse devaneio, mal percebeu, em terras americanas e democratas, que o Estado Novo escondia algo de podre, sendo memoráveis os seus comícios que arrastavam multidões e agitavam a cobarde polícia política, pois os cidadãos acreditavam numa alternativa à ditadura. E se ainda hoje existem mentes pidescas, salazaristas, saudosistas, saibam que, "obviamente estão demitidos" pela maioria dos indivíduos deste Estado Livre que Humberto Delgado ajudou a construir.
Eu não quero voltar a uma ditadura de inspiração fascista, quero continuar a celebrar o 25 de Abril. Eu não quero ter um governo de propaganda, narcisista, à moda norte coreana, que deporta e prende alguém por ter uma opinião política discordante. Eu estou farto de ouvir que "antigamente é que era bom", que o "salvador" nos impediu de entrar na II Guerra Mundial mas afinal investiu numa guerra colonial, que apesar de haver fome, miséria, e acesso limitado aos serviços de saúde e educação, havia "disciplina nas finanças públicas". Eu não suportaria uma polícia política criminosa alavancada nos bufos de esquina, com o silêncio compactuante da Igreja, porque gosto de saborear a liberdade e gritar por democracia.
Em Santiago de Cuba, um corajoso cidadão, aproveitando o silêncio da missa rezada por Bento XVI, gritou bem alto "abaixo o comunismo" e "abaixo a ditadura", sendo imediatamente manietado pelos fantoches de serviço do regime castrista e castrador. Os lacaios do partido silenciam a população, controlando as formas de comunicação com o exterior da ilha, entre reclusões e "trabalhos reeducativos" aos dissidentes políticos. Não paro de pensar no que acontecerá aquele bravo, aquela voz que ignora a cegueira partidária e a ideologia que sustenta uma ditadura. Como é possível usar uma t-shirt dum carrasco transformado em revolucionário e achar que isso é sinónimo de liberdade?
Parece que a família do último director da PIDE ficou ofendida com uma peça teatral em que se relacionava este antigo Major com o assassinato de Humberto Delgado. Não sei se foi o responsável, mas alguém que esteve 12 anos à frente desta polícia política deveria saber minimamente o que os seus subordinados faziam e as ordens que tinham. Felizmente que, 30 anos depois da extinção da PIDE, os acusados têm o direito de se defenderem fora dos cenográficos Tribunais Plenários, da culpa formada, sem serem torturados, espancados, chantageados, perseguidos e desterrados pelo ditador, espécie de dramaturgo. Moralmente, esses actores bem reais também deviam pedir chorudas indemnizações a quem tanto sofrimento lhes causou, o que inclusive levou à morte de alguns protagonistas da trama como o "General sem Medo" e José Dias Coelho.
É altura dos puritanos decidirem se a UE e os EUA devem intervir no Egipto - sendo acusados de ingerência nos assuntos internos de outros países e sorvedouro dos recursos naturais dos mesmos - ou esperarem sentados que ocorra uma espécie de 25 Abril feito na internet e terminando num banho de sangue. Acho que o Ocidente não deveria agir de forma tão denunciada no Cairo pois certamente haverá alguém que represente a ambição legítima e democrática do povo egípcio, homens como Wael Ghonim e Khaled Said que não têm nada a haver com o fanatismo religioso de uma irmandade qualquer nem tampouco com a política.
Quando passam 80 anos sobre o nascimento do músico José Afonso, é bom relembrar às actuais gerações quem foi o genial poeta que renovou o conceito de música popular portuguesa.
Mais do que um mero activista de esquerda, lutou pelos oprimidos com total desprendimento material. Era um homem simples, dispensava a formalidade do traje académico e o estatuto de vedeta. Adorava o contacto com a natureza, e acima de tudo, o conceito de liberdade, pois só assim se pode explicar a sua não filiação em partidos políticos e a consequente imposição de amarras ideológicas.
Nunca esqueceu o grande amor da sua vida - Coimbra. Foi detido várias vezes e impedido de praticar a docência só porque manifestava a sua opinião crítica. Mas como disse o Zeca, "não me arrependo nada do que fiz".
Ao fim de trinta e quatro anos, Manuel Alegre sai do parlamento mas com a sensação do dever cumprido como deputado. Ao contrário de muitos, foi fiel aos seus mandatos, não acumulando a função parlamentar com cargos nos sectores privado e público. O seu percurso académico, ligado ao movimento estudantil contestatário do Antigo Regime, traçou-lhe o destino. O exílio não lhe calou a voz nem a sua poesia, inspirando cantores de intervenção como José Afonso. Um homem intenso, de causas, que não hesitava entrar em conflito ideológico com o partido para não desapontar os cidadãos. Alegre diz que a escrita e vida são inseparáveis, eu digo que a democracia e a liberdade andam de mãos dadas.